RELATÓRIO DE DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO: COOPERCANÇÃO , UM ESTUDO DE CASO

Área temática: Relatos de experiências

Jéferson Soares Damascena – jefersonsd@yahoo.com.br

Rosiany Maria da Silva- Rosiany777@hotmail.com

Carlos Siqueira da Mata- damatacarlo34@yahoo.com.br

 

 

Resumo:

A globalização e a rapidez das transformações proporcionadas pelo desenvolvimento de novas tecnologias afetam diretamente não apenas as relações econômicas, mas principalmente as sociais, em especial no campo do trabalho e do emprego. Os resultados destas transformações são ainda mais profundos e têm caráter mais devastador para os trabalhadores com menor grau de escolaridade e instrução ou que estão à margem do mercado formal de trabalho Nesse contexto, um grupo de catadores nos bairros Santa Felicidade e João de Barro, em Maringá, resolve se organizar em cooperativa como forma de obterem melhores condições de comercializar os produtos recicláveis, fugindo do jugo imposto pelos atravessadores no monopólio da estipulação dos preços. A Coopercanção é uma realidade e nos mostra como a economia solidária pode contribuir para que estes trabalhadores, com os devidos apoios, podem lograr êxito nesta tarefa difícil, que é contrariar o senso comum de que a autogestão não passa de utopia.

 

 

1. Introdução

A globalização e a rapidez das transformações proporcionadas pelo desenvolvimento de novas tecnologias afetam diretamente relações não apenas econômicas, mas principalmente as relações sociais, em especial no campo do trabalho e do emprego. Os resultados destas transformações são ainda mais profundos e têm caráter mais devastador para os trabalhadores com menor grau de escolaridade e instrução ou que estão à margem do mercado formal de trabalho. Estes trabalhadores são também excluídos por não terem o preparo necessário para atender às sempre mutáveis demandas do mercado de trabalho, cada vez mais exigente e restrito. Apesar disto, escritores como Polanyi (2000, p.55), defendem que:

“o ritmo das mudanças muitas vezes não é menos importante do que a direção da própria mudança, mas enquanto esta última freqüentemente não depende da nossa vontade, é justamente o ritmo no qual permitimos que a mudança ocorra que pode depender de nós”.

Nesse contexto, um grupo de catadores de lixo reciclável dos bairros Santa Felicidade e João de Barro, em Maringá, resolveu se organizar em cooperativa como forma de obter melhores condições de comercialização. A intenção é fugir do jugo imposto pelos atravessadores no monopólio da estipulação dos preços. Assim, a cooperativa procura inverter o jogo de preços, uma vez que ao concentrar no barracão uma maior quantidade de materiais coletados, é possível negociar preços melhores junto aos compradores, pois o poder de barganha dos carrinheiros torna-se maior.A Coopercanção é uma realidade e nos mostra como a economia solidária pode contribuir para que estes trabalhadores, com os devidos apoios, podem lograr êxito nesta tarefa difícil, que é contrariar o senso comum de que a autogestão não passa de utopia. Nesse sentido, esse estudo tem por objetivo analisar como esse grupo de carrinheiros, atuando em uma atividade marcada pelo individualismo e pelo preconceito, ao unir-se em uma cooperativa, adquire não apenas um significado econômico, mas também o reconhecimento tanto da comunidade como do poder público, mostrando como é possível ao trabalhador, em qualquer atividade, valorizar a si e a suas habilidades.

 

2. Metodologia

A pesquisa se caracteriza como descritiva, pois se propõe a descrever o processo de formação da cooperativa em questão, bem como a participação do poder público no fortalecimento destas, fundamentada em Richardson (1989 p. 26) segundo o qual entende-se por pesquisa descritiva “quando se deseja descrever as características de um fenômeno”. De natureza qualitativa, pois segundo Trivinõs (1995), a pesquisa qualitativa é compreendida como uma expressão genérica, que por um lado compreende atividades de investigação que podem ser denominadas específicas, e por outro lado pode ser caracterizada por traços comuns. Uma vez que a unidade em estudo possui características específicas e também traços comuns a outras cooperativas populares, inclusive de diferentes localidades. Richardson (1989 p.38), diz que “o que justifica o uso da pesquisa qualitativa, é, sobretudo, por ser uma forma adequada de se entender a natureza de um fenômeno social”. E também de natureza quantitativa, uma vez que foram utilizados métodos de quantificação na coleta das informações (Richardson, 1989).

Para coleta dos dados primários foram utilizados as técnicas de aplicação de questionário com perguntas abertas e fechadas, e a realização de entrevista semi-estruturada, realizada com os cooperados da Cooperativa de Materiais Recicláveis dos Conjuntos João de Barro e Santa Felicidade - Coopercanção, em Maringá. A opção pela aplicação da técnica de entrevista semi-estruturada, se justifica pela necessidade de captar os relatos da história vivida dos entrevistados, pois segundo Trivinõs (1995, p. 146), “a pesquisa semi-estruturada parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que ser recebem as respostas do informante”.

Para coleta dos dados secundários foram utilizados dados levantados pelo Censo Econômico de 2001 de Maringá/SEICT e PIB´s Municipais e Séries Temporais do IPEADAT, e do IPARDES/2003 - apud Plano Municipal de As. Social de Maringá – 2005.

 A unidade de análise escolhida foi a cooperativa popular Coopercanção, com a população composta de 32 cooperados, no qual apenas 18 deles responderam aos questionário e a entrevista, sendo, portanto uma amostra aleatória, uma vez que foi escolhida conforme a participação dos cooperados em reuniões realizadas pela equipe da Unitrabalho, núcleo local de Maringá, que trabalha nas atividades de formação da cooperativa.

Os pesquisadores se reuniram primeiramente para escolher o grupo a ser trabalhado e traçar as ações a serem desencadeadas. Escolhido o grupo e com base nas sugestões da 'atividade prática avaliativa', elaborou-se um modelo de questionário a ser aplicado junto aos cooperados, visando levantar os dados para construção do diagnóstico.

 O grupo realizou um total de cinco visitas ao empreendimento, onde realizou as seguintes atividades:

·        Apresentação da equipe ao grupo e explicação do motivo da aplicação da pesquisa,

·        Aplicação do questionário junto aos cooperados,

·        Aplicação da dinâmica de tempestade de idéias, como forma de o próprio grupo indicar seus pontos fortes e fracos,

·        Tabulação e análise dos dados

Elaboração do diagnóstico do empreendimento a partir das informações e depoimentos colhidos.

 

3. Histórico da Cooperativa

O aumento das desigualdades e a efetiva exclusão do mercado formal de trabalho atingem grandes parcelas da população, penalizando principalmente os trabalhadores com baixa qualificação. Rodríguez (2002.p.332-333), sugere que o capitalismo pode perfeitamente continuar existindo sem estas pessoas, que se tornam

 

“... redundantes como produtores, na medida em que desempenham atividades de baixa produtividade e reduzido valor agregado; redundantes como consumidores, na medida em que seu poder aquisitivo é tão sumamente reduzido que [...] sua participação na sociedade de consumo consiste fundamentalmente em sair a rua para ver vitrines.”

 

Assim, como forma de valorizar seu trabalho e conquistar melhores condições de venda para os recicláveis, através de melhores formas de negociação e preços maiores junto aos atravessadores, estes catadores decidem se organizar em cooperativa, apostando na idéia de, em princípio, obterem melhores resultados econômicos.

Isso ratifica a posição defendida por Singer que atenta para o fato de que a organização dos trabalhadores em associações ou cooperativas centradas na solidariedade da economia “... só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar [...] a chave desta proposta é a associação entre iguais, em vez do contrato entre desiguais” (Singer, 2002, p. 09).

Todavia é importante ressaltar que os valores individuais e competitivos, próprios do modelo de sociedade vigente, colidem cotidianamente com os valores solidários e cooperativos, representando, pois, um dos grandes desafios a ser superado não apenas por este grupo, mas para os empreendimentos de economia solidária de modo geral:

 

“... em síntese, as regalias sociais da cooperativa são parte essencial do seu funcionamento e do seu atrativo para os recicladores. De fato, em alguns casos é até a única razão pela qual os recicladores permanecem nela [...] vender à cooperativa o material recolhido pode ser desvantajoso de um ponto de vista estritamente econômico, já que implica a perda de opção de venda ao intermediário que pagar o melhor preço e receber deste, adiantamentos e empréstimos” (Rodríguez, 2002.p.355).

 

O processo de sensibilização e organização dos catadores de materiais recicláveis dos Conjuntos Santa Felicidade e João de Barro iniciou em final de setembro de 2003. Levantamentos das Secretarias Municipais de Meio Ambiente e de Assistência Social indicavam a grande densidade de catadores nesses bairros. Além disso, a Secretaria de Saúde, através da vigilância sanitária, havia expedido diversas notificações a respeito do armazenamento de materiais recicláveis nos quintais das residências, potenciais focos de dengue e outras doenças. A partir desses levantamentos, os catadores foram convidados para uma primeira reunião no bairro, que contou também com a participação dos respectivos presidentes das Associações de Moradores. O interesse dos catadores em formar uma cooperativa foi imediato. As informações fornecidas, o apoio da equipe técnica e das demais cooperativas deram grande passo neste sentido. O fato dos catadores morarem no mesmo bairro e já se conhecerem também contribuiu para a sua instalação, que se deu em definitivo em quatro meses. Em 29 de janeiro de 2004 foi realizada a primeira reunião no barracão onde seria a sede da cooperativa. Cerca de 20 pessoas estiveram presentes. A partir daí, buscou-se organizar as rotinas de trabalho, eleger a coordenação provisória, enfim, distribuir funções entre os cooperados, como escalas de revezamento, de pernoite, escalas de limpeza, de venda, etc.

A locação do imóvel ficou a cargo da prefeitura (R$ 600,00), além dos custos com água e luz. Quanto a estes pagamentos é importante ressaltar que estão baseados em leis municipais de incentivo à economia solidária. O aluguel pode ser pago por dois anos, prorrogáveis por mais dois, conforme prevê a lei municipal que institui o Programa de Economia Solidária – Lei nº 6.379/2003. Por esta lei o município pode permitir o acesso a espaço físico em prédios municipais, equipamentos e maquinário, cursos de capacitação e assessoria técnica. Há também uma outra lei que institui o Programa Municipal de Incentivo à Cooperativas e Associações de Produção, Crédito, Comercialização ou Prestação de Serviços – Lei nº 6.164/2003. Esta lei prevê assistência técnica e administrativa, apoio na busca de mercado e de fontes de financiamento, auxílio quanto à capacitação e qualificação profissional e suporte para montagem de infra-estrutura. Por fim, há uma terceira lei que institui o Programa Municipal de Apoio aos Catadores de Materiais Recicláveis – Lei nº 5.475/2001. Esta é mais antiga e específica aos catadores. Prevê, ente outros, assistência técnica para constituição de cooperativas ou outras formas de organização, assistência alimentar e à saúde. É importante frisar, ainda, que o município possui leis de incentivo à economia solidária que permitem estes tipos de apoio, como permissão de uso de espaços públicos, aluguéis e assessoria. Um fator importante de se destacar é a peculiaridade desta cooperativa em relação às demais que estavam organizadas, como a Coopermaringá, Cocarema e Coopernorte. Estas são formadas por ex-trabalhadores do lixão, que recebem o material na sede da cooperativa e fazem a separação.  A renda é dividida por hora trabalhada. Já a Coopercanção foi formada por catadores de rua, com cultura e sistema de trabalho diferenciados. Estes coletam o material aleatoriamente. Diante disso, a solução encontrada com o grupo foi a remuneração por produção, descontando de cada cooperado um percentual de 5% para a pessoa que ficasse no barracão fazendo o controle dos pesos (balanceira). Além disso, também é descontado um percentual para o Fundo da Cooperativa. Todos os cooperados fizeram os cursos básicos de cooperativismo e economia solidária, promovido pela ADS/CUT.

Em parceria com a equipe do núcleo de economia solidária da prefeitura e Unitrabalho/UEM, foi elaborado o regimento interno, constituído e aprovado o estatuto, feita a eleição para a diretoria e encaminhada a formalização da cooperativa. O grupo funciona sob os princípios da economia solidária – autogestão, solidariedade e cooperação, democracia interna. Até o momento três pessoas passaram pela coordenação da cooperativa. Alguns saíram justamente por não corresponder às expectativas do grupo quanto à transparência e repasse de informações. Todavia é importante ressaltar que os valores individuais e competitivos, próprios do modelo de sociedade vigente, colidem quotidianamente com os valores solidários e cooperativos, representando, pois, um dos grandes desafios a ser superado não apenas por este grupo, mas para os empreendimentos de economia solidária de modo geral.A partir de uma dinâmica de “tempestade de idéias” conduzido pelo grupo de consultores, foram colhidos os pontos os pontos fortes e fracos do empreendimento.

 

Pontos Fortes:

·        União das pessoas;

·        Disposição e determinação dos componentes;

·        Crença na melhoria da cooperativa;

·        Melhoria dos preços dos materiais comercializados;

·        Referência de trabalho

·        Acesso a crédito (inclusão bancária);

·        Transparência das lideranças;

·        Central de comercialização conjunta;

·        Valorização da atividade de catador;

·        Oportunidade de melhoria da renda;

·        Localização geográfica da unidade de armazenagem dos produtos;

·        Vontade de aprender por parte dos integrantes da cooperativa.

 

Pontos Fracos:

·        Falta de infra-estrutura  própria para armazenagem

·        Inexperiência e desconhecimento quanto ao processo, como um todo;

·        Dependência dos atravessadores (limitada condição de negociação);

·        Falta de equipamentos para melhoria da eficiência no processo de separação, preparo e comercialização dos materiais.

 

3.1 Situação do Quadro Social

Composto de 32 (trinta e dois) cooperados, divididos em 17 homens e 15 mulheres, integrantes de 30 (trinta) famílias.

 

Faixa Etária

Idade

N° Cooperados

%

18 / 35 anos

6

30

36 / 50 anos

5

25

51 / 60 anos

5

25

Acima de 60 anos

3

20

      Fonte: pesquisa dos autores

 

Verifica-se que a faixa etária maior é composta de jovens. Porém é importante destacar  que 45 % dos entrevistados estão acima dos 51 anos, e dificilmente seriam absorvidos pelo mercado formal de trabalho.

 

 Escolaridade

Anos

Cooperados

%

Analfabeto

5

25

Ensino Fundamental Completo

2

10

Ensino Fundamental Incompleto

7

35

Ensino Médio Completo

1

5

Ensino Médio Incompleto

2

10

Lê e Escreve

3

15

 

A baixa escolaridade dos cooperados é uma realidade que agrava ainda mais a condição de exclusão social. Como se pode observar, cerca de 75% dos entrevistados têm o ensino fundamental incompleto, sabem ler e escrever ou são analfabetos. 

 

        Qual era sua renda antes da cooperativa ?

Em salários mínimos

Cooperados

%

Menos de 01 s.m.

10

50

De 1 a 2 s.m.

7

35

De 2 a 3 s.m.

1

5

Não tinha renda

1

5

Não soube informar

1

5

    

Qual sua renda hoje ?

Em salários mínimos

Cooperados

%

Menos de 01 s.m.

8

45

De 1 a 2 s.m.

6

30

De 2 a 3 s.m.

2

10

Mais de 3 s.m.

1

5

Não souberam informar

2

10

 

Verifica-se que 10 % dos entrevistados obtiveram um acréscimo de renda depois da constituição da cooperativa.

 

        O que o levou a trabalhar com materiais recicláveis?

Motivo

Cooperados

%

Necessidade, desemprego, independência, autonomia

10

50

Melhoria na renda

5

25

Trabalho em grupo, convite de amigos, outros carrinheiros

3

15

Nova oportunidade de trabalho, cansado emprego anterior

2

10

 

Verifica-se que 50 % dos entrevistados entraram no mercado de recicláveis devido a exclusão e a dificuldade de reinserção no mercado formal de trabalho.

             

O que o levou a fazer parte de uma cooperativa ?

Motivo

Cooperados

%

Aumentar ganhos, melhorar preços venda, armazenar material.

7

35

Não ter patrão, trabalho em grupo, melhor organização.

7

35

Catar todo tipo de material, aprender mais, reconhecimento.

3

15

Influência de outros carrinheiros, cooperados, proximidade residência.

3

15

 

Quanto a necessidade de se organizarem em cooperativa, verifica-se que 70% dos trabalhadores já atuavam no mercado de reciclagem. A cooperativa possibilitaria um aumento da renda pela melhoria dos preços, fruto da melhor organização, e trabalho em grupo.

 

         Qual a sua expectativa para o futuro dentro da cooperativa?

Expectativa

Cooperados

%

Crescimento e fortalecimento da cooperativa, melhoria da renda.

 

8

 

40

Que a cooperativa continue no mesmo local, serem donos do próprio negócio.

 

 

3

 

15

Aprender novos sobre separação dos materiais e sobre a cooperativa

3

15

Não souberam informar

 

6

30

 

 

3.2 Situação do Empreendimento

As equipes de apoio e assessoria à cooperativa têm trabalhado com o grupo os princípios da economia solidária: solidariedade, educação para autogestão, democracia e participação popular. Este é o norte que vem orientando o grupo de cooperados desde o início, em janeiro de 2004. Semanal ou quinzenalmente há reuniões na cooperativa, onde se discute questões relacionadas ao cotidiano do empreendimento e do projeto como um todo, que é mais amplo e envolve as demais cooperativas. São sete cooperativas, incluindo as cidades vizinhas de Sarandi e Paiçandu que participam deste projeto, que prevê a criação de uma central de comercialização e transformação. Em projeto da Unitrabalho/UEM enviado à Fundação Banco do Brasil, foram investidos R$ 200.000,00, a fundo perdido, na aquisição de uma máquina de triturar PET, um caminhão e cinco computadores. Os cooperados fizeram curso de noções básicas de informática para prepará-los para utilização de um software de gestão administrativa e contábil, ministrado pela Unitrabalho e financiado pela ADS/CUT.

Há um Conselho Gestor formado por representantes de todas as cooperativas e parceiros que se reúne mensalmente para discutir questões comuns, definir papéis e dar o direcionamento às atividades. Uma equipe da prefeitura e Unitrabalho assessorou na elaboração de estatuto e regimento interno, com a eleição da respectiva diretoria e conselho fiscal. A Coopercanção está na fase final do processo de legalização, contando com CNPJ e já tendo obtido seu registro na Junta Comercial. Como referido anteriormente, o sistema de remuneração da cooperativa é por produção. Cada cooperado recebe 'um controle de entrada de material', que é feito em duas vias. Ao receber o pagamento, geralmente a cada trinta dias, o cooperado confere os lançamentos. Do valor correspondente, desconta-se um percentual de 5% da venda total bruta para remunerar a balanceira (associada que fica na sede e é responsável pela pesagem do material). Além disso, também é descontado um percentual que vai para o fundo da cooperativa (3 %).

O grupo comercializa mensalmente de 15 a 20 toneladas de materiais recicláveis, cuja renda bruta fica entre R$ 6.000,00 e R$ 9.000,00 por mês. A venda é feita diretamente aos atravessadores, e o rateio é feito proporcionalmente ao material trazido pelo cooperado. Pequenas despesas são custeadas pela cooperativa, como a compra de uma geladeira usada, carrinhos para coleta de recicláveis, material de limpeza, tarifa de telefone e lanches, entre outros.

 

4. Análise dos resultados

 Diante do exposto é possível afirmar que o grupo tem potencial para o trabalho coletivo e solidário, apresentando bom nível de coesão social, união e cooperação entre si. As pessoas que acompanham o grupo desde o início podem facilmente perceber o quanto se avançou neste período de 1 (um ano). A organização dos trabalhadores em cooperativa proporcionou uma maior valorização e aumento da auto estima, através da organização da sua forma de trabalho e da busca de uma autonomia econômica. Além disto a atuação em cooperativa confere aos carrinheiros um maior respeito por parte da comunidade, o que, em última análise, pode e ser traduzido como conquista da cidadania. Porém alguns desafios estão postos e merecem ser considerados:

a)     Gestão técnica do empreendimento: fator importante e necessário para a auto-gestão e emancipação. Percebe-se as dificuldades de assimilação do grupo quanto ao uso de livro caixa, contabilidade interna e as funções de cada um dos membros do Conselho de Administração e Fiscal. Daí a necessidade de continuidade das parcerias e do incentivo à formação e escolarização;

b)     Dependência econômica do poder público municipal: este apoio, necessário no início do empreendimento, pode se tornar prejudicial se não for bem gerido.

c)      Padronização da classificação: como o projeto prevê a venda em conjunto com as demais cooperativas, é necessário que os materiais sejam classificados de acordo com as especificações do mercado, o que acaba por agregar valor ao trabalho.

d)     Roteiros de coleta: trata-se de uma questão que envolve todas as cooperativas. Hoje poucas cooperativas têm roteiros definidos. As demais coletam aleatoriamente. Nesses roteiros, porém, tem havido uma verdadeira ‘competição’ pelos materiais entre cooperados e não cooperados.

e)     Infra estrutura: é necessário ampliar a capacidade de operação da cooperativa, através da aquisição de prensas, e balanças, como forma de agregar mais valor aos produtos comercializados, além de facilitar os controles internos (estoques, vendas).

 

5. Conclusão

Tendo em vista as questões abordadas quanto ao empreendimento, percebe-se a necessidade da continuidade de assessoria, seja para fortalecer os pontos considerados fortes, seja para superar os pontos ainda apontados como frágeis, como a mudança da mentalidade imediatista do grupo, no que diz respeito a ganhos financeiros individuais, sem buscar a capitalização da cooperativa. É necessário fortalecer o potencial humano e econômico deste grupo o que poderá desmistificar a imagem de marginalizados que existe por parte da população de Maringá para com os moradores do bairro. A Coopercanção é uma realidade e nos mostra como a economia solidária pode contribuir para que estes trabalhadores, com os devidos apoios, podem lograr êxito nesta tarefa difícil, que é contrariar o senso comum de que a autogestão não passa de utopia.

 

6. Referências

ANDRADE, C. M.C. O Processo de desfavelização em Maringá: da favela cemitério ao bairro Santa Felicidade, 2001, UEM, novembro de 2001. 

 

Censo Econômico de 2001 de Maringá/SEICT e PIB´s Municipais e Séries Temporais do IPEADAT

 

IPARDES/2003 - apud Plano Municipal de As. Social de Maringá – 2005.

 

POLANY, K. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro, Campus. 2000.2º ed.

 

Richardson, r. j. Pesquisa social: métodos e técnicas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1989.

 

RODRÍGUEZ, C. À procura de alternativas econômicas em tempos de globalização: o caso das cooperativas de recicladores de lixo na Colômbia. In: SANTOS, B. S. (Org) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002 p.331- 367.

 

SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação  Perseu Abramo, 2002 p.9.

 

TRIVINOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1995.