PROJETO MERCADO ESCOLA

Desenvolvimento Local

Autores: Felipe Bannitz Machado, Felipe Vella Páteo, Virgínia Luz Schmidt[1]

ITCP-USP, itcp@usp.br

 

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar a atual estratégia de desenvolvimento local implementada pela ITCP-USP nas subprefeituras do M’Boi Mirim e Campo Limpo na Zona Sul de São Paulo.  Esta estratégia consiste na incubação de uma rede de economia solidária capaz de integrar diversos atores locais e demais interessados no desenvolvimento da região. Trata-se da convergência de esforços para o fortalecimento de atividades ligadas a produção, comercialização, consumo, crédito, educação e informação na perspectiva da Economia Solidária. Para isso propõe-se a integração de três tecnologias sociais, sendo elas: a incubação de empreendimentos de economia solidária, o microcrédito produtivo orientado e clubes de trocas que utilizam moedas sociais de forma a criar um ambiente propício para a integração da produção e do consumo local, com a construção de um mercado-escola. O texto estrutura-se a partir de uma breve contextualização passando pelo histórico da atuação da ITCP-USP na região e explicando as bases que possibilitaram a construção do projeto. A partir daí é explicado seu método, funcionamento e como sua implementação está ocorrendo no momento. Por fim, é feita uma análise das possibilidades e limitações do projeto.

 

Palavras-chave: Clube de trocas, moeda social, Banco de Trocas Solidárias, Metodologia de Incubação.

 

1. Contexto

A atuação da ITCP-USP nos distritos Capão Redondo, Jardim Ângela e Campo Limpo têm início em 2001 quando a Prefeitura Municipal de São Paulo, através do Programa Oportunidade Solidária da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, estabelece uma parceria para incubação de cooperativas. 

            Desde o início do processo até 2004, a ITCP-USP acompanhou mais de 1.500 beneficiários dos Programas Começar de Novo e Bolsa Trabalho. Foram formados mais de 60 Empreendimentos de Economia Solidária (EES), que não conseguiram manter suas atividades. No decorrer do processo de estruturação dos EES, ficou clara a dificuldade em se gerar renda a partir do fornecimento de produtos e serviços numa região que ocupa um espaço marginal dentro da distribuição de riquezas do município. Mesmo que a carência de bens e serviços seja uma realidade local, o baixo poder de compra e os altos níveis de exclusão da região representam uma forte barreira ao desenvolvimento de qualquer atividade econômica local. Portanto, a consolidação dos EES necessita de formas alternativas de desenvolvimento de seu entorno, ou seja, do mercado em que estarão inseridos.

            A partir daí, se faz à avaliação de que a mera constituição de EES não é suficiente para estabelecer um movimento de desenvolvimento local sustentável ao longo do tempo, capaz de ampliar-se à região como um todo. Foi então que a ITCP-USP elaborou um projeto para a constituição de uma Rede Solidária, buscando uma forma de conjugar as potencialidades de produção e consumo da região.  A Rede Solidária está centrada na formação de espaços potencializem a solução de problemas através de ações locais conjugadas (políticas e econômicas), o aumento dos espaços de formação e discussão, a complementaridade econômica entre diferentes grupos, a troca livre e solidária de informações e o fortalecimento na luta contra a exclusão e a marginalização.

Em outras palavras, a Rede Solidária representa um instrumento que pretende garantir que os esforços de crescimento econômico da região não resultem em dissipação total da renda gerada para outras regiões ou concentração predominante em grandes empresas privadas de produção e serviço. E também, que as iniciativas em outras áreas de desenvolvimento, que não puramente econômico, possam ser combinadas para uma maior eficácia de resultados frente às principais necessidades da população local.

 

2. Histórico do Clube de Trocas

 O Clube de Trocas do Jardim Ângela foi criado, em 2002, a fim de contribuir na busca de soluções para a baixa concentração de renda na região, tendo como objetivo facilitar a troca de produtos, serviços e saberes entre os Empreendimentos de Economia Solidária e demais participantes. Isso é possível porque o Real é substituído por uma “Moeda Social[2]”, no caso  chamada de ‘Futuro’, como ferramenta para facilitar a troca.

Nota-se que apesar das pessoas, por um lado, apresentarem condições de produzir e prestar serviços, por outro, necessidade de consumir esses mesmos produtos e serviços, essas relações comerciais não acontecem devido à falta de moeda de troca, no caso o “Real”.  A partir do momento em que inserimos uma moeda local tornam-se possíveis  essas transações  potencializando a capacidade produtiva local.

  A proposta do Clube de Trocas parte da busca de respostas à falta de moeda oficial nas regiões pobres das grandes cidades. Seu objetivo é tornar a troca de produtos, serviços e saberes permanente e organizada e, assim, construir um mercado complementar ao oficial capaz de contribuir para viabilidade da comercialização de produtos gerados por pessoas ou grupos, além de facilitar o acesso de pessoas com baixo poder aquisitivo ao consumo de produtos e serviços oferecidos na região. 

Ao longo de dois anos de ação, a ITCP-USP e os participantes do Clube de Trocas avaliam que o ‘Futuro’ só atingirá o seu objetivo se os trabalhadores tiverem capacidade de adquirir produtos e serviços utilizados em seu cotidiano. Entretanto, atualmente o Clube de Trocas do Jardim Ângela apresenta dificuldades em disponibilizar produtos e serviços variados capazes de atrair os Empreendimentos de Economia Solidária da região. Isto acontece porque a maioria dos participantes não disponibiliza uma produção ou serviço próprio e sim produtos que ela não utiliza e quer se desfazer, conseqüentemente a moeda social perde a sua aceitação e a feira de trocas deixa de ser atrativa.

Assim, surge a necessidade de uma estratégia que viabilize a inclusão de produtores solidários que ofereçam seus produtos e serviços por ‘Futuros’, pois a partir do momento que o Clube de Trocas disponibiliza produtos de qualidade, a Moeda Social oferece a possibilidade de aquisição de produtos e serviços variados e a Feira de Trocas se torna atrativa a novos produtores, que passam a ter um incentivo econômico para aceitarem a mesma moeda em troca de seus produtos, desencadeando um processo de fortalecimento da Moeda Social rumo a construção de um mercado “protegido” para a formação de novos EES.

 

3. Método

            O projeto apresentado envolve a incubação de uma Rede Solidária Local a partir da incubação coletiva de cinco EES com atividades econômicas complementares, durante um ano, a partir de uma nova metodologia denominada "Mercado Escola", que integra as tecnologias sociais ligadas à incubação de EES, moedas sociais e microcrédito produtivo orientado. O objetivo é integrar os EES através de estratégias de comercialização, capacitação, consumo, crédito, educação e informação. Por meio de uma metodologia que envolve: formação para autogestão, organização em rede, participação no Clube de Trocas e em feiras da região e parcerias para capacitação técnica.

A inovação do projeto se dá pela utilização da moeda social, concatenada com pequenos empréstimos, como ferramenta central para a incubação do EES. Assim, se torna possível criar uma estratégia de proteção dos pequenos empreendimentos até que eles atinjam uma escala de produção capaz de obter competitividade para a disputa no mercado convencional. Chamamos de proteção a possibilidade de grupos, em estágio inicial de organização, produzirem e venderem seus produtos, mesmo sem a qualidade ou o preço dos produtos concorrentes. Essa proteção possibilita os empreendimentos entrarem no ciclo econômico de seu giro produtivo, ou seja, produzir, comercializar e produzir novamente. O caráter cíclico se dá pelo fato que, depois da produção e comercialização, o grupo tem a capacidade de comprar insumos produtivos novamente, utilizando os “futuros”, e, assim, reiniciar a produção e o ciclo.

A partir do momento que o EES estabelece este ciclo, a tendência é melhorar gradativamente a qualidade de seus produtos, os seus custos, a sua capacidade de negociar, contabilizar e gerir seu grupo de maneira autogestionária, rumo à profissionalização e consolidação do empreendimento. Além disso, o ciclo gera o ambiente ideal para se trabalhar as questões do cooperativismo e da Economia Solidária.

O “Mercado Escola”, atualmente financiado pela Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, tem inicio a partir do momento em que o grupo tem a possibilidade de iniciar o giro produtivo. É então que entra o Banco de Trocas Solidárias (BTS), que disponibiliza o crédito em moeda social, para que o EES possa adquirir os equipamentos e insumos necessários para produção também por moeda social. Os empreendimentos incubados definem um ou mais artigos a serem produzidos e desenvolvem, junto com os formadores da ITCP-USP, um plano de negócios. A partir deste plano, o BTS faz a compra dos equipamentos e insumos fundamentais à produção para disponibilizar no Clube de Trocas. O pagamento do empréstimo pode ser feito em doze parcelas mensais sem juros, mas para que isso aconteça o grupo deve comercializar parte de sua produção no Clube de Trocas, obtendo assim os ‘Futuros’ necessários para pagar ao BTS. Entretanto, é fundamental que o grupo não se detenha apenas na comercialização em ‘Futuros’ necessária para pagar o empréstimo, pois para viabilizar o giro produtivo, os insumos serão disponibilizados na feira de trocas por moeda social. Então o grupo deve ter ‘Futuros’ o suficiente para comprar tais insumos e dar continuidade a produção.

Vale ressaltar que, caso o grupo não venda o suficiente ou perca parte de sua produção durante o processo, o BTS aceita o produto como forma de pagamento inclusive para compra de mais insumos. Isso se justifica porque é necessário que o grupo tenha subsídios para produzir, inclusive para que tenha oportunidade de aprender com seus erros e melhorar a qualidade do produto oferecido. 

O BTS é composto por um conselho, formado por dois formadores da ITCP, os coordenadores do Clube de Trocas e um representante de cada empreendimento associado ao projeto. Mensalmente, o conselho do BTS realiza reuniões com os empreendimentos para avaliar a qualidade dos artigos produzidos, elaborar coletivamente metas e prazos de avanço da qualidade e apresentação dos produtos, além de acompanhar o pagamento dos créditos concedidos. Com isso, o BTS fortalece o Clube de Trocas e busca contribuir para o envolvimento de novos parceiros no Clube, para aumentar a oferta de produtos e serviços, e para que possa usar os ‘Futuros’ arrecadados pelos pagamentos dos créditos, de acordo com os objetivos do projeto, por exemplo: em cursos de capacitação, limpeza e arrumação dos locais de Feira, entre outras possibilidades. A outra parte da produção dos empreendimentos é comercializada principalmente no Clube de Compras e em feiras da região (especialmente as Feiras de Economia Solidária organizadas pela Rede Solidária da Zona Sul) e para gerarem renda aos integrantes dos empreendimentos. Estas feiras são instrumentos importantes para a divulgação da Economia Solidária na região e representam uma atividade tanto para a inserção dos empreendimentos no mercado convencional, como para atrair novos parceiros para a Rede Solidária Local. Mensalmente, os empreendimentos incubados, junto aos formadores e aos parceiros da Rede Solidária, se reúnem para fazer a avaliação e a elaboração coletiva de estratégias de fortalecimento das feiras.

Finalmente, os empreendimentos são incentivados a poupar 10% da renda da comercialização em Reais, visando a compra de insumos produtivos no momento que as cotas mensais acabarem, objetivando a autonomia financeira do grupo frente ao crédito do BTS. Portanto, os grupos, desde o início do processo de formação, serão preparados para o desligamento da metodologia do "Mercado Escola" e a passagem para uma nova fase de incubação.

 

4. Funcionamento do Banco de Trocas Solidárias

            O banco começa a funcionar a partir do momento em que os equipamentos e insumos do projeto são entregues para os grupos. O microcrédito ocorre efetivamente apenas no primeiro mês, quando o grupo recebe os equipamentos e insumos para fazer sua primeira produção. O grupo passa então a ter um débito em futuros para com o banco no valor desses insumos, esse débito deve ser pago em 12 parcelas, sem juros, ao longo do ano.

            Ao término do primeiro mês, o grupo deve pagar a primeira parcela do microcrédito, tomado em futuros, e é lhe dada a possibilidade de adquirir mais insumos para que possa efetuar a produção do segundo mês. Esses insumos devem ser adquiridos com futuros obtidos através da venda de seus produtos no clube de trocas.

            O banco portanto injeta produtos solidariamente produzidos na feira de trocas e passa a receber futuros e produtos como pagamento. Se o banco recebe em futuros deve colocá-los em circulação da maneira mais rápida possível, para evitar que haja escassez de moeda no mercado de trocas, o que poderia gerar deflação ou, caso os preços não se alterem, dificuldade dos consumidores adquirirem produtos de seu interesse.
            Se o banco usa essa moeda para comprar produtos, se coloca em situação parecida com a situação em que ele recebe produtos como forma de pagamento. A destinação desses produtos deve ser pensada para que eles se revertam em alguma forma de benefício para o clube de trocas ou para o banco. A única possibilidade de que os produtos beneficiem diretamente o clube de trocas é se eles forem oferecidos no próprio clube pelo banco, para que possam se transformar na moeda social de novo. Mas os produtos não precisam ser oferecidos diretamente no mesmo clube de trocas, esses produtos adquiridos pelo banco podem ser oferecidos em outros clubes de troca. Nesses, os produtos podem ser trocados por produtos diferentes, que então são oferecidos no clube de trocas do Jardim Ângela, aumentando a variedade deste clube.
De qualquer maneira quando esses produtos forem trocados o banco voltará a receber mais futuros, formando um fluxo contínuo, o que pode ser positivo, já que desta forma o empréstimo inicial da Cáritas não encerra seu ciclo, sempre se renovando à medida que uma variedade de produtos cada vez maior é incluída no clube. Por outro lado, esta estratégia pode também sobrecarregar o banco gerando uma necessidade crescente de trocas com outros clubes, no caso de isso ocorrer, ou em uma necessidade de capacidade crescente de absorção do próprio clube, caso isso não ocorra.

            Os produtos podem ser usados também em benefício do próprio banco, seja retornando para a Cáritas, entidade que compôs o capital do banco, seja sendo usado em iniciativas que beneficiem os membros e usuários do banco na região, como, por exemplo, na construção de um Centro de Referência em Economia Solidária na região, que é uma iniciativa que beneficia todos os grupos contemplados no projeto. Desta maneira se completam os benefícios gerados pelo empréstimo, com o Real virando produção e a parte da produção que retorna para o banco sendo usada por ele.

            Se o banco compra saberes, isto pode ocorrer em prol do próprio clube de trocas na forma de cursos oferecidos a todos os integrantes do grupo. Neste caso, há uma contribuição para a formação educacional e profissional dos membros do clube.

            Uma outra possibilidade é a da compra de serviços. Ora, todo clube de trocas requer uma série de serviços que geralmente é feita por uma espécie de equipe de apoio ou coordenação do clube, nada mais justo que oferecer algo em troca desse maior comprometimento e responsabilidade. Exemplos desse tipo de serviço são a organização do espaço físico do local, a recepção e sensibilização dos novos ingressantes para os princípios do clube, a organização de um sistema para facilitar o encontro da oferta e demanda local através da concepção de um classificado solidário. Motivando e comprometendo as pessoas que realizam este tipo de trabalho, o clube é ainda mais fortalecido e sua organização pode ser melhorada e mais bem pensada. De forma semelhante há uma série de outros serviços que podem ser feitos para incrementar o funcionamento do clube de trocas, como por exemplo, serviços de divulgação para atrair mais participantes para o clube ou de proporcionar entretenimento como a contratação de conjuntos musicais para motivar e alegrar todos os participantes do clube.

            Mais uma vez há ainda a possibilidade de contratar serviços em benefício do Banco que não são ligados diretamente ao Clube de Trocas. Um exemplo é a contratação de serviços relacionados à construção de um Centro de Referência em Economia Solidária, como a pintura de suas paredes. Outro exemplo seria a contratação de serviços relacionados à organização de um clube de compras coletivas em benefício dos membros do clube de trocas. Desta maneira algumas pessoas ficariam responsáveis por organizar a compra em conjunto dos produtos que não são produzidos localmente. Com o ganho de escala pode se conseguir uma redução de preços, diminuindo o escoamento do dinheiro para fora da região e aumentando a parcela da renda que pode ser consumida localmente até dentro do próprio clube de trocas.

            Por fim, o banco pode utilizar os futuros para conceder empréstimos para os interessados. Desta forma ele mantêm a feira aquecida disponibilizando futuros para pessoas que não puderam trocar seus produtos ou serviços nesta feira, mas que querem consumir e estejam dispostos a trazer uma produção na próxima feira.

 

5. Momento atual

            As estratégias e exemplos de utilização dos futuros acima mencionados estão sendo atualmente implementados em caráter experimental pelo banco de trocas solidárias do Jardim Ângela. Os resultados ainda não são conclusivos, mas pelo que se pôde observar até o momento estas estratégias são complementares, cada uma delas trazendo diferentes benefícios para os membros do clube, empreendimentos incubados e para a comunidade em geral.

            Uma questão que ainda precisa ser trabalhada é o caráter autogestionário do banco. A complexidade do projeto vem se mostrando um desafio a ser superado para que os envolvidos se apropriem dele e participem das decisões do banco, visto que a idéia é que ele não seja apenas composto por representantes da ITCP-USP.

Esta situação pode também ser explicada pelo seu caráter inovador que requer a criação de novos instrumentos didáticos e uma metodologia diferenciada em alguns aspectos, elementos que vão sendo criados e aplicados ao longo do processo de efetivação do projeto.

O objetivo do acompanhamento do Banco de Trocas Solidárias é estabelecer um padrão tecnológico de funcionamento, a fim de facilitar a participação direta dos empreendimentos e demais atores interessados na sua gestão.

 

5.1 Caracterização dos Empreendimentos de Economia Solidária:

            Atualmente estão sendo incubandos cinco EES da região que apresentam atividades econômicas complementares, sendo elas: arte reciclagem, alimentação, produtos de higiene e limpeza e confecção.

 

5.1.1 Simples Conforto (arte reciclagem)

            O grupo tem como atividade econômica inicial a fabricação de puffs com garrafas PET e é formado por três jovens estudantes de aproximadamente 17 anos que se conheceram em um curso de Qualificação Profissional da Fundação Julita, uma das parceiras da ITCP-USP na Rede Solidária.

            Ainda quando participavam do curso, foi proposto um trabalho de conclusão cujo objetivo era a elaboração de um produto, devendo ser pensado seus custos, possibilidades de venda e por fim a fabricação de um protótipo. A partir daí, os membros do grupo tiveram a idéia e passaram a produzir os puffs.

            O diferencial do produto escolhido é que além da produção respeitar os princípios da economia solidária, é um produto feito a partir de material reciclado: papelão e garrafa PET; demonstrando também uma responsabilidade ecológica dado que é feita a reutilização de materiais que de outra maneira seriam jogados no lixo.

            Atualmente o local de produção é na casa de um dos integrantes. Entretanto, o grupo visa transferir a produção para um lugar que proporcione uma melhor estrutura para produção. Além disso, está desenvolvendo um logo para dar a sua marca aos produtos, que agora estão se diversificando, já que estão começando a produzir almofadas também.

            Um dos principais desafios para o EES é buscar a comercialização na região e no clube de trocas, visto que seu produto não apresenta um caráter de essencialidade, fundamental para atingir o público de baixa renda. No entanto, esse problema pode ser contrabalançado pelo alto grau de flexibilidade do design do produto, suas cores, estampas, tamanhos e formatos, pelo seu caráter inovador e também pelo diferencial de ser feito de material reciclado. Todas essas características demonstram um potencial de inserção no mercado consumidor de classe média, faltam apenas pensar estratégias para adaptá-lo e inseri-lo no mercado local.

 

5.1.2 CIEJA (panificação)

            O grupo é formado por alunas do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA), também parceiro da ITCP-USP na Rede Solidária. Atualmente há duas mulheres de meia idade no grupo, cuja atividade produtiva é a panificação.

            A idéia de envolver alunos do CIEJA no projeto se deu pela importante participação que o mesmo desempenha na Rede. Outro motivo foi a relevância de se integrar trabalhos de Economia Solidária com a educação de jovens e adultos. O próprio CIEJA enfrentava o desafio de trabalhar com um público sem muita perspectiva de inserção no mercado de trabalho convencional. Os professores passaram a desenvolver temas relacionados à economia solidária no “módulo trabalho” e mais tarde veio a oportunidade de oferecer a estes alunos uma vivência prática de geração de trabalho e renda sob outra perspectiva.

             A partir daí, a ITCP realizou reuniões com os alunos interessados para melhor esclarecimento da proposta, mas a maioria das pessoas que vinham nas reuniões não eram as mesmas, o que causou descontinuidade no grupo e desgaste àqueles que vinham corretamente. Assim, dentre outros motivos como a falta de estrutura para iniciar a produção, falta de comunicação e de união do grupo que estava em formação, este foi diminuindo até o momento que ficaram apenas duas integrantes. Mesmo assim a formação continuou, ocorrendo no CIEJA, com a proposta inicial de produtos como pães, tortas e salgados naturais, dentre outros, com as quais as integrantes já têm familiaridade de produção, além de permitir maior facilidade de armazenagem.         A busca pelo local de produção foi demorada visto os problemas de estrutura e dificuldades das integrantes. O CIEJA então cedeu um espaço ao grupo para que pudesse produzir, mas as integrantes utilizam também suas cozinhas domésticas. Os produtos têm sido comercializados no próprio CIEJA, em Feiras ocasionais e através de divulgação pessoal. A qualidade é satisfatória e o grupo vem desenvolvendo a criação de novos produtos.

            Os objetivos atuais da incubação são: fortalecer o grupo, diminuindo as instabilidades, com isso, criando maior identidade para possibilitar sua expansão e atrair novas integrantes; definir melhor os parâmetros da organização; melhorar as estratégias de comercialização para sustentar a retirada das integrantes; aperfeiçoar os instrumentos de controles da produção para melhorar a indicação de preço. Além de organizar a atuação do grupo junto ao projeto, na retirada dos insumos e nos pagamentos ao Banco.

 

5.1.3 Sem nome definido (alimentação – marmitex)

            O grupo foi formado a partir de um mapeamento, para busca de novos EES, junto à organização Sul Remo no Jardim Ângela, que já havia participado do Programa Oportunidade Solidária, oferecendo capacitação específica.

As organizadoras da Sul Remo se interessaram por formarem um empreendimento, com possibilidade para artesanato e alimentação. Porém, o grupo optou pelo setor alimentício, visto ser de maior necessidade à população. O grupo iniciou com três integrantes principais e duas que não estavam certas de seu desejo de fazer parte de um EES. A organização produtiva se dá na casa de uma das integrantes, com a produção de marmitas para entrega.

As integrantes, todas do sexo feminino, são de meia idade e, por conhecerem bastante a região, tem grande possibilidade de inserção do empreendimento no mercado local.

            No momento, a incubação visa estruturar e fortalecer o grupo, que ainda se encontra indefinido e instável de modo a atrair novas pessoas; buscar parcerias e estratégias para comercialização, para sustentar a retirada das integrantes. Além de organizar a atuação do grupo junto ao projeto Mercado Escola, na retirada dos insumos e nos pagamentos ao Banco.

 

5.1.4   EA Produtos de Limpeza e Higiene

            O EA Produtos de Limpeza e Higiene é um empreendimento que produz sabão em pedra, utilizando óleo de cozinha usado; sabonetes com glicerina e está experimentando a produção de amaciante e desinfetante. Sua criação foi resultado da sensibilização da ITCP-USP sobre a importância do Clube de Trocas do Jardim Ângela oferecer produtos e serviços gerados pelos seus participantes, de forma a fortalecer o poder de compra da moeda social.

            Sua formação original era composta de cinco mulheres, sendo quatro membros da coordenação do Clube de Trocas do Jardim Ângela, mas atualmente conta com três integrantes. Duas têm mais de cinqüenta anos e participaram da Política Pública de Fomento à Economia Solidária da gestão municipal passada.

            O EA possui sede própria onde produz e vende seus produtos. Esta se localiza na casa de uma das integrantes de forma a possibilitar autonomia em relação ao seu funcionamento. Sua capacidade produtiva estimada é de cerca de 2.000 peças entre sabões em pedra e sabonetes, entretanto, a produção efetiva não ultrapassa as 600 peças, dada a insuficiência das vendas.

            A atual estratégia de comercialização se resume às vendas aos vizinhos e amigos do bairro e na parceria comercial com uma ONG que atende pessoas em situação de rua no Centro de São Paulo. O Empreendimento já apresenta uma identidade visual com logo marca, etiquetas, cartões de visita e folder para divulgação.

            No presente momento, a ITCP-USP está orientando o empreendimento na organização dos registros: financeiros, compras e vendas e de estoque e na construção de estratégias de comercialização ligadas ao comércio local e ao terceiro setor. 

 

5.1.5   Maria-Mariá (confecção)

            O grupo é composto por vinte mulheres que trabalham com artesanato e costura (cortinas, bolsas, colchas, blusinhas, bonecas, dentre outros utensílios decorativos) e recebe apoio de outro projeto da região, que complementa a atuação da ITCP-USP, oferecendo oficinas produtivas para o aprimoramento do processo produtivo. Ele existe há dois anos e é um dos 10 projetos da Paróquia Santos Mártires, ligada à pastoral operária. Sua formação está ligada ao Fórum de Mulheres da Região que realiza reuniões cotidianas para a discussão da violência contra as mulheres e formas de superação desse quadro. A partir destas disucssões, um grupo de mulheres resolveu se unir para  formar um EES.

            A proposta do grupo consiste na viabilização da geração de renda familiar trabalhando paralelamente a questão da violência doméstica, buscando assim a emancipação da mulher não apenas economicamente como também socialmente.  O EES apresenta uma sede própria, em que produz e comercializa seus produtos, realizados ainda em pequena escala e de forma individual.

            Atualmente, o Maria-Mariá está definindo os produtos a serem produzidos e organizando as respectivas linhas de produção de forma a tornar a produção coletiva. Assim, a participação do EES no Mercado-Escola ainda não aconteceu de forma estruturada.   

 

6. Perspectivas do Projeto Mercado-Escola como instrumento de desenvolvimento local

            Como dito anteriormente, o trabalho tradicionalmente feito pela ITCP-USP de incubação grupos dificilmente pode viabilizar uma política de desenvolvimento local, visto que os próprios grupos têm dificuldade para se viabilizar economicamente pelas limitações do mercado consumidor local das periferias.

            Por outro lado, se o grupo consegue vender para fora da região, a renda que ele consegue auferir dificilmente circula na região, visto que o dinheiro tende a ser gasto nos grandes supermercados e lojas, com os lucros sendo apropriados pelo centro da economia.

            O clube de trocas por sua vez, como estratégia para fazer com que circulem produtos e serviços na região, a partir de uma moeda social, resolvendo o problema da escassez monetária da região, também vinha se mostrando deficitário pela falta de incentivo para os produtores se associarem a ele.

            Economicamente falando, o clube de trocas e a moeda social, como toda moeda, apresentam uma característica de externalidade de rede. Isso quer dizer que seus benefícios são maiores quanto maior for a variedade de produtos e serviços nele oferecido. No entanto, o que foi percebido é a presença de um ponto de inflexão[3] na curva de benefícios a serem gerados pelo clube de trocas. Seria só a partir deste ponto, representado pela presença de um mínimo de produtores no clube que este poderia efetivamente representar benefícios de forma a atrair outros produtores.

      A particularidade do projeto Mercado-Escola como instrumento de desenvolvimento local é buscar uma solução combinada para estes dois desafios, o da geração de renda na região e o de garantia de que essa renda circule lá.  Como explicado, ele consegue isso fornecendo microcrédito para garantir que os grupos consigam começar a produzir. Esse benefício que o grupo recebe tem como contrapartida o benefício que ele proporciona ao clube de trocas, visto que ele paga seu empréstimo oferecendo produtos no clube, de forma a ultrapassar aquele ponto de inflexão passando a atrair outros produtores para o clube.

            Garante-se ainda dessa forma uma parcela das vendas do empreendimento que possa garantir pelo menos que ele não acabe, tendo garantidos os insumos necessários para a produção do mês seguinte.

            Resumindo, são conectados, microcrédito, mercado protegido e garantia de uma produção mínima presente no clube de trocas dando real valor à moeda social como circulante local. Com isso fica explícita a relevância do projeto como estratégia de desenvolvimento econômico, resta a questão da sua relevância como estratégia para um desenvolvimento local integrado.

            Como o desenvolvimento local, por definição, é construído a partir da realidade da região estudada, abordar-se-á a particularidade da região em que o projeto está sendo implantado que é a periferia da Zona Sul de São Paulo. É claro que se for pensada a implantação do projeto em outras regiões suas particularidades devem ser estudadas e o projeto deve ser adaptado para se adequar a elas.

            Dentro da Zona Sul são compreendidas as Subprefeituras do Campo Limpo e do M’Boi Mirim, compreendendo os distritos do Capão Redondo, Jardim Ângela, Jardim São Luís e Campo Limpo.  Esta é uma área muito grande formada por grandes áreas contíguas de habitação precária.

            Uma área deste porte não é a ideal para um projeto do porte do Mercado-Escola. Primeiro pelo motivo simples que não se pode esperar pela escala do projeto em termos de população atingida e recursos disponibilizados que cause um impacto em termos de desenvolvimento local em uma área de centenas de milhares de habitantes.

            Segundo motivo e mais importante é o fato de um clube de trocas possuir um tamanho ótimo limitado, tanto para manter o caráter de relações mais pessoalizadas dentro do clube quanto para manter a autogestão do clube e do banco de trocas solidárias.

            Como o banco deve ser maior que o clube de trocas e deve representar a comunidade, o interessante é que haja um Mercado-Escola ligado à um clube de trocas para cada comunidade identificada na região.  A ligação com a comunidade é fundamental para que se possa identificar as necessidades de cada uma delas, que obviamente são diferentes e o banco poderá então gastar os futuros que recebe do empréstimo de forma realmente autogestionária, com uma discussão não apenas entre os empreendimentos incubados, mas com a comunidade em geral, que espera-se, estará participando do clube de trocas.

            Desta maneira, uma tentativa de aplicação do projeto Mercado-Escola como política estruturante para o desenvolvimento local na zona sul da cidade de São Paulo pressuporia um trabalho prévio que seria mais político e de mapeamento, identificando as comunidades que comportam um clube de trocas e banco, quantos grupos se associariam a ela, etc.

            Poder-se-ia, a partir destes clubes de trocas e bancos comunitários, aproveitar a possibilidade de ganhos de escala dado o tamanho da região a partir da organização dos clubes, bancos, empreendimentos e mesmo comunidades em forma de uma rede com a função de permitir que sejam feitas trocas de produtos entre os bancos e  inclusive talvez trimestralmente organizar uma grande feira de trocas juntando os participantes de todos os clubes.

            Entretanto, atualmente o projeto se apresenta enquanto um piloto para testar a metodologia, respeitando os envolvidos no projeto e buscando resultados palpáveis para eles.

 

7. Referências Bibliográficas

7.1. Publicações

CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas – Ciência para uma Vida Sustentável.    

       São Paulo, Cultrix, 2002.   

 

COSTA, Didac. Guia do usuário da rede de troca e consumo consciente 13 luas.
        São Paulo, 2002.


MANCE, Euclides André. A Revolução das Redes - A Colaboração Solidária como
         uma Alternativa Pós-Capitalista à Globalização Atual. Petrópolis, Vozes, 1999
________.(org). Como Organizar Redes Solidárias. Rio de Janeiro, IFiL, Fase,                DP&A, 2003

________. Fome Zero e Economia Solidária: o Desenvolvimento Sustentável e
            Transformação Estrutural do Brasil. Curitiba: IFiL, Editora Gráfica Popular,             2004

SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo, Fundação Perseu      

       Abramo, 2002.

 

7.2. Produção da equipe da ITCP-USP

Relatório de atividades do Projeto Rede Solidária para Prefeitura Municipal de São

       Paulo, 2004.

 

Projeto Mercado Escola apresentado a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, 2005.



[1] Colaboradores: Bárbara Palma de Lima, Lígia Bensadon, Peri Canto

[2] Moedas Sociais são as moedas complementares, criadas pelos Clubes de Trocas, que facilitam a troca de mercadorias de valores diferentes, em momentos diferentes e com pessoas diferentes

[3] O ponto de inflexão de uma curva é o ponto em que ela muda de direção, no caso passando a ter inclinação positiva, por trazer benefícios aos participantes.