Reciclando Idéias - Projeto de Desenvolvimento de Tecnologia Acessível para Reciclagem
Danilo Mendes Nardini Escritório
Piloto do Grêmio Politécnico da USP danilo_x@yahoo.com.br
Wilton Massanobu Tani Escritório
Piloto do Grêmio Politécnico da USP wilton_tani@yahoo.com.br
Este artigo apresenta os resultados do Projeto de Extensão Universitária Reciclando Idéias, um projeto de Extensão Universitária do Escritório Piloto do Grêmio Politécnico da USP e aprovado pelo Fundo de Cultura e Extensão Universitária sob o número 2003.1.1947.3.0.
São apresentadas as bases sobre as quais a equipe se baseou tanto para a pesquisa sobre Economia Solidária como para a concepção de um equipamento útil e acessível a cooperativas autogestionárias de coleta. São apresentadas também as experiências que trouxeram à equipe do projeto maiores argumentos sobre a necessidade de desenvolvimento social aliado à preservação do meio ambiente.
Ao fim, é feita uma discussão sobre o potencial deste trabalho, propondo a sua exploração para as entidades que militam pela autogestão.
Palavras chave: Reciclagem, Tecnologia, Equipamento, Prensa.
O Projeto "Reciclando Idéias" foi um projeto de Extensão Universitária gerido por estudantes membros do Escritório Piloto (EP) do Grêmio Politécnico da USP.
O EP é um departamento não autônomo do Grêmio Politécnico, cujos integrantes praticam Extensão Universitária através de projetos de interesse público, ou melhor, que estrategicamente contribuam para a democratização do conhecimento gerado na Universidade, tratando de forma indissociada o Ensino, a Pesquisa e a Extensão. O Escritório Piloto, embasado pela prática de seus projetos, defende um ideal de Extensão por meio da realização de atividades como “Bate-Papos” e Seminários que tratam desde temas mais técnicos, tratados nos projetos, até discussões que permeiam toda a estrutura da Universidade.
O Projeto Reciclando Idéias começou em 2002, com o objetivo de procurar soluções e trazer à Universidade o acúmulo de discussão acerca do problema do descarte de material. O projeto, a partir de em grupo interdisciplinar de estudantes, procurou se engajar em torno da reciclagem, chegando a realizar palestras de conscientização ambiental em escolas do ensino médio e fundamental.
A partir de Julho de 2003, porém, com a participação de mais estudantes, o projeto tomou outro rumo, concentrando seus esforços no sentido de gerar tecnologia voltada às cooperativas de coleta, separação e reciclagem. Foi necessário, para tanto, conhecer a dinâmica de algumas delas para então poder estabelecer alguns parâmetros construtivos para a realização do projeto de uma prensa para PET. Buscou-se também o engajamento de outros parceiros, que tiveram importância fundamental no levantamento de informações para o desenvolvimento da prensa e no potencial fortalecimento da rede de economia solidária.
Auxílio às cooperativas de coleta no desenvolvimento de processos e equipamentos de separação e reciclagem de garrafas PET, através de uma rede de economia solidária, tornando-as economicamente viáveis e promovendo o uso racional de recursos.
Este desenvolvimento
dar-se-á prioritariamente através de parcerias com outros empreendimentos de
economia solidária.
Os objetivos específicos deste projeto foram o desenvolvimento da consciência ambiental sobre o uso de recursos e descarte de resíduos associado à otimização dos processos e equipamentos de coleta, separação e reciclagem, estes adaptados à realidade de uma cooperativa. Ainda, foram propostas formas de financiamento para aquisição e implementação, em escala nacional, desses equipamentos e processos, promovendo o espírito auto-gestionário e os princípios cooperativistas.
Segundo NAGUMO (2002), a política de gerenciamento de resíduos sólidos domiciliares adotada em São Bernardo do Campo é passível de críticas, porém não deixa de ser uma iniciativa louvável do poder público municipal, principalmente no que se refere às dimensões sociais e ambientais do projeto dos “Centros de Ecologia e Cidadania”. Os benefícios oriundos da reciclagem de materiais, principalmente de plásticos, têm importância ambiental, social e econômica enorme: a redução nas quantidades de resíduos levados aos aterros sanitários; a economia de energia e combustíveis; a geração de empregos; a redução do preço ao consumidor de artefatos plásticos que utilizem reciclados e a melhoria na decomposição da matéria orgânica nos aterros e lixões devido à diminuição na impermeabilização do solo. Quanto à produtividade dos CECs do município de São Bernardo do Campo, pode-se dizer que alguns fatores influem diretamente em seu faturamento:
· falta de transporte para buscar o material doado – muitas doações já tiveram de ser buscadas com carrinhos-de-mão;
· falta de comprometimento dos doadores – campanhas realizadas pela prefeitura junto a empresários do município tiveram pouco resultado concreto;
· desvios de materiais, especialmente daqueles de maior valor agregado;
· quanto mais “segregado” o material, maior é o seu valor de revenda – a procura por compradores mais seletivos e rentáveis deve ser um dos pontos a ser atacado pela Comissão de Vendas;
· treinamento do pessoal – a necessidade da capacitação técnica do pessoal na identificação dos materiais deve ser avaliada;
· educação ambiental – campanhas devem alertar sobre a importância da “segregação” correta dos materiais nos domicílios;
· agregação de valor ao material – através da moagem e possível lavagem dos materiais. Quando moídos, os materiais ocupam menor volume e racionalizam o transporte;
· organização do espaço e da estrutura – necessidade de um melhor equipamento para a realização do trabalho de triagem, como uma mesa que, mesmo baixa, melhore a postura dos trabalhadores.
Ainda relata a esperança que experiências como a descrita em seu
trabalho, que envolvam gestão ambiental e economia solidária, continuem sendo
implantadas nos municípios brasileiros, ajudando na preservação ambiental e na
resolução de problemas tão graves no Brasil, como a desigualdade social e o
desemprego.
Em SINGER
(2002), é citada a existência de associações e entidades empenhadas em
colaborar e incentivar a colaboração entre os vários tipos de cooperativas
existentes. São mencionadas, com destaque, a Associação Nacional de
Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária
(ANTEAG), a Cáritas, órgão do Conselho Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), a
União e Solidariedade das Cooperativas do Estado de São Paulo (UNISOL) e as
Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), vinculadas às
universidades em vários estados do país. Tais instituições se formaram, em sua
maioria, por iniciativas de sindicatos e instituições religiosas. Dentre os
fatos mais marcantes que semearam e deram forças a esses tipos de associações,
pode-se mencionar as greves no final da década de 70 e o surgimento de uma
grande massa de empresas falidas, resultado da abertura do mercado para as
importações na década de 90.
Estas instituições têm por meta incentivar a
formação de cooperativas onde realmente exista o espírito autogestionário e, ao
mesmo tempo desestimular, as “cooperfraudes” ou “coopergatos”, cooperativas
frutos de terceirização de empresas; ademais, as mais importantes dentre estas
instituições de apoio e fomento, são fontes de financiamento, redes de
comercialização, assessoria técnico-científica, formação continuada de
trabalhadores e recebem apoio institucional e legal por parte de autoridades
governamentais. Um exemplo de sucesso da parceria entre governo e associações
de cooperativas, foi a criação do Banco Cooperativo em Porto Alegre, que junto
a ANTEAG, tem favorecido em muito a criação e o progresso das cooperativas
existentes na região.
SINGER, também menciona as dificuldades organizacionais existentes
dentro das cooperativas, “a empresa autogestionária é mais que uma empresa,
assemelha-se a uma família” (SINGER et al., 2000). A hierarquia ocorre dentro
de certos parâmetros, as pessoas são munidas de certas responsabilidades e
prestam contas ao grupo em assembléias gerais. Deve-se fugir, no entanto, da
idéia que se tem de que empresas autogestionárias geralmente se estagnam devido
a sua estrutura que lhe impossibilitaria o crescimento. Exemplo desta infundada
idéia é a “Cooperativa Bruscos”, situada no Rio Grande do Sul. Sua autonomia de
sustentação nos vários níveis hierárquicos e a busca por uma modernização
freqüente lhe garante competitividade no mercado.
Por fim, deve-se entender a cooperativa como
parte da solução para os problemas sociais que assolam nosso país e como um
modelo alternativo ao atuante no atual cenário do capitalismo. Logo, a criação
de políticas públicas para responder esta demanda se faz necessária.
Quanto ao
dimensionamento técnico da prensa proposta, a parte estrutural e de eixos foi
baseada em SHIGLEY (2004), ao passo que as transmissões estudadas foram
baseadas em MELCONIAN (1997).
Dado que todas as cooperativas visitadas manifestaram interesse por uma prensa para compactação, visto a prensa ser a responsável pela primeira etapa no beneficiamento do PET e o equipamento que mais agrega valor ao material coletado, esta foi a escolha feita de equipamento para ser projetado. Essa escolha se deve, também, por ser um equipamento de projeto não tão complexo como seria um moinho ou uma extrusora. Além disso, é o equipamento que tem seu custo justificado pelo menor volume mensal de material processado, se comparado aos outros equipamentos. É também o equipamento que apresenta menor risco ao operador caso seja operado inapropriadamente, pois não possui partes cortantes nem altas temperaturas de operação.
Escolhido a prensa como equipamento a ser projetado fez-se a opção inicial por uma prensa mecânica. Uma prensa composta por dois fusos e um sistema de redução para um motor monofásico. Essa opção é devido à existência de considerável número de cooperativas em locais sem acesso à rede elétrica trifásica. Isso torna possível a utilização desse equipamento em qualquer lugar onde seja possível instalar um chuveiro elétrico.
Por fim, foi obtida uma prensa com as seguintes características: Força de fechamento 8,24 toneladas e curso de 1,5 metros. Tal prensa é acionada por um motor monofásico de 220V com quatro pólos e 5CV de potência. A mesa móvel desta prensa percorre o curso de 1,5m em 80 segundos. Isto significa uma velocidade de 1,13 metros por minuto. Essa velocidade é apenas um terço da velocidade da prensa hidráulica disponível no mercado. O preço calculado para esta prensa foi R$5.432,76.
De acordo com os orçamentos feitos para prensas hidráulicas de 8 toneladas, os preços variaram entre R$15.000,00 e R$12.000,00. Desta forma, ainda que o preço da máquina projetada atinja R$6.000,00, esta não chegará a custar a metade de uma equivalente hidráulica.
Em seguida é apresentada a análise de custos sobre a prensa projetada.
Baseado no orçamento, foi construído o seguinte gráfico de custos:
Figura 1: Divisão de custos do equipamento
A parte quadriculada é aquela fabricada em Economia Solidária. A ela foi dedicada a estrutura, a ser fabricada em uma cooperativa metalúrgica. Neste gráfico observamos que as partes majoritárias do custo são a estrutura fixa, o motor e as portas. Verificamos que, caso o motor monofásico possa ser substituído por um trifásico, este custo ainda pode cair para até 11%.
O destaque do custo da estrutura tanto revela a importância da redução de peso, que é diretamente proporcional ao custo, como sugere o mérito do projeto, por ter desenvolvido um equipamento com o nível de fabricação em economia solidária de 66%.
Para fazer um fardo de 100kg de PET é necessário meia hora utilizando uma prensa hidráulica com curso de 1,1m. A prensa observada desce com velocidade 2,1m/min e sobe com velocidade 4,4m/min. Para fazer este fardo é preciso abaixar e realimentar a prensa 23 vezes.
Para fazer o mesmo fardo na prensa projetada, serão gastos 48 minutos, 60% a mais do que na máquina hidráulica equivalente. Para isso será necessário realimentar a nova prensa apenas 17 vezes, o que significa menos trabalho para o cooperado.
Esta velocidade menor é resultado do mais simples e barato resultado
obtido pela equipe do projeto. Mesmo menor, ela ainda foi considerada útil para
as cooperativas de coleta, devido ao seu reduzido volume de material coletado.
No entanto, com um pouco menos que R$350,00 é possível fabricar a prensa com um
segundo motor, a ser utilizado apenas durante o recuo da máquina, com uma
relação de transmissão voltada para a velocidade quando não é necessário força
de compactação. Isto faria o tempo para compactação deste fardo cair para 32
minutos, praticamente o mesmo tempo usado na prensa hidráulica. Outras
alternativas técnicas ainda poderiam ser desenvolvidas buscando melhorar este
equipamento.
As visitas feitas às cooperativas e suas entidades de fomento mostraram a grande carência destes quanto à tecnologia e à organização do trabalho. Estas visitas subsidiaram a elaboração de uma proposta de equipamento. Foi projetada uma prensa para compactação de material reciclável com características técnico-econômicas adaptadas às pequenas cooperativas autogestionárias de coleta. Este equipamento foi projetado para ser fabricado prioritariamente em uma cooperativa metalúrgica, de forma a fortalecer a rede de economia solidária. Nesse sentido, foi feita uma visita à Coopermambrini, uma cooperativa metalúrgica especializada na fabricação e manutenção de caçambas para caminhões. Esta foi a única cooperativa metalúrgica entre as procuradas que se dispôs a negociar com a equipe e sobre a qual foi baseado o orçamento para a estrutura.
Ficou patente neste processo a dificuldade das cooperativas metalúrgicas em receber e avaliar uma oportunidade diferente do trabalho padrão que ela realiza. Foi constatada também a necessidade de criar uma política de financiamento adequada, tanto para a atualização tecnológica das cooperativas metalúrgicas como principalmente para as cooperativas de coleta. Observa-se que a própria legislação para formar uma cooperativa já é um entrave, no momento em que arbitrariamente exige um mínimo de vinte cooperados para legalizá-la. Como alternativa, alguns grupos optam por assumir outra entidade jurídica, como por exemplo uma associação. De toda forma, mesmo sendo já uma figura legal, é bastante difícil para grupos de coleta conseguir financiamentos com juros suficientemente baixos. Nas poucas ocasiões em que grupos conseguiram recursos a fundo perdido, foi comum encontrar equipamentos parados por falta de treinamento, manutenção ou instalação adequadas.
Em decorrência dessas dificuldades, a equipe do projeto não conseguiu fazer um protótipo e muito menos ensaiar seu funcionamento para avaliar seus efeitos em uma cooperativa de coleta.
Contudo, todo o desenvolvimento do projeto foi feito com diálogo e com o conhecimento de reconhecidas entidades militantes pela autogestão, como a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP, a ANTEAG e a própria Secretaria Nacional de Economia Solidária. Isto faz com que, caso estas entidades se aproveitem deste conhecimento, o seu uso para a promoção da autogestão será assegurado. O desenvolvimento deste projeto em diálogo com esses parceiros facilita também a busca por financiamentos adequados aos empreendimentos autogestionários.
Dessa forma, o Escritório Piloto finaliza este trabalho com a apresentação, para essas entidades, deste projeto que toca basicamente a análise sobre cooperativas autogestionárias e o projeto técnico da prensa enfardadora.
A equipe, tecnicamente, sente-se satisfeita com o desenvolvimento da prensa. Considera-a um diferencial bastante poderoso, se usado com eficiência pelas citadas entidades, para o desenvolvimento de uma vasta rede de pequenas cooperativas autogestionárias de coleta. A equipe também considera que tal rede teria um papel relevante na redução de resíduos descartados, portanto um aumento da reciclagem, da vida útil dos aterros sanitários e da consciência ambiental.
A equipe desaprova a fabricação e a venda deste equipamento sem levar em conta as análises feitas sobre autogestão e sem realizar uma sólida formação sobre autogestão e meio ambiente.
Neste aspecto, a equipe considerou encerrado o projeto de extensão universitária. Foi realizado, na medida do possível, de forma interdisciplinar e horizontal entre os graduandos, docentes e comunidade extra-universitária, que no foco do projeto foram representados especialmente pelos trabalhadores da coleta seletiva, um público excluído dos bancos dessa Universidade. Tal escolha foi feita não como Responsabilidade Social, mas como forma de Justiça Social por quem pagou em cada prato de comida o imposto que permitiu a construção da Universidade de São Paulo. Justiça ao lutar por uma Universidade que se dedique à redução das desigualdades, não apenas através da prestação de serviços, mas com a construção de conhecimentos de interesse público.
Desta forma, a equipe apresenta este projeto para a Universidade e as referidas entidades de autogestão como conclusão de uma atividade de militância estudantil por uma Universidade Pública de fato, e entrega às entidades de autogestão a responsabilidade pelo bom uso deste material, de forma estratégica antes que se torne competitivamente obsoleto.
Por uma Universidade Pública, gratuita, de qualidade e voltada para o povo.
Reciclando Idéias - Escritório Piloto do Grêmio Politécnico da USP
NAGUMO, R. Gestão, funcionamento e conjuntura de uma associação popular na cadeia da reciclagem. 2002. 64p. Trabalho de formatura - Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002.
SEMINÁRIO: RECICLAGEM E VALORIZAÇÃO DE RESÍDUO SÓLIDO – COLETA SELETIVA E INCLUSÃO SOCIAL, São Paulo: EPUSP, 28/11/2003, (Projeto FAPESP 00/02008-9) 1 CD-ROM
SINGER, P. Introdução a economia solidária, São Paulo : Fundação Perseu Abramo, 2002
SINGER, P. A economia solidária no Brasil a autogestão como resposta ao desemprego, São Paulo.
Shigley, J. E.
Mechanical engineering design,
MELCONIAN, S. Elementos de
Máquinas, São Paulo : Editora Érica, 1997, 2aed.
CECAE (Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária
e de Atividades Especiais) - http://www.cecae.usp.br/itcp
2 ADS
(Agência de Desenvolvimento Solidário) - http://www.ads.org.br