Caracterização microestrutural de multicamadas espessas
Microscopia eletrônica de varredura e EDXA
O objetivo final do projeto é obter multicamadas com camadas individuais de espessura de 0,5 a 10nm. Entretanto, para verificarmos a eficácia do método de deposição adotado, decidimos inicialmente produzir multicamadas com camadas mais espessas, da ordem de 1 a 5mm. Esta espessura permite, por exemplo, uma perfeita observação em microscópio óptico e em microscópio eletrônico de varredura. Fizemos estas caracterizações, e também caracterização por difração de raios X e por retroespalhamento de feixes iônicos (RBS – Rutherford Backscattering Spectroscopy).
As deposições foram feitas pelo método do eletrólito único, em modo potenciostático. As soluções continham 1mol/l de sulfato de cobalto e 0,01mol/l de sulfato de cobre. Foram adotados os dois potenciais escolhidos nos ensaios voltamétricos (v. texto "Variáveis Eletroquímicas"): -0,475V para a camada de cobre, e –1,000V para a camada de cobalto (com codeposição de cobre). Para o potencial de –0,475V, foi adotado inicialmente um tempo de 4310s, e para o potencial de –1,000V, um tempo de 332s.
Um dos filmes obtidos foi analisado por difração de raios X no difratômetro Philips do Departamento de Engenharia Química. Foi utilizado tempo muito longo (50s por passo de 0,05o), em vista da pequena espessura do filme. Varreu-se apenas uma faixa de ângulos que incluísse os dois principais picos da forma estável do cobalto (cúbico de faces centradas, com parâmetro de rede a=0,35447nm, ficha JCPDS número 15-0806). Estes picos são o [111], com intensidade de 100%, em 2q =51,830o, e o [200], com intensidade intensidade de 40%, em 2q =60,623o. Evitaram-se os picos do cobre, pois, em vista da utilização de substrato de cobre, as intensidades obtidas seriam excessivas, com risco para o detetor do equipamento. Em particular, evitou-se o pico [200], de 46% de intensidade, em 2q =50,431o (cobre cúbico de face centrada, com parâmetro de rede a=0,3615nm, ficha JCPDS 04-0836), iniciando-se a medida em 2q =51o.
O difratograma obtido é apresentado na Figura 12. Observa-se, em 2q =52,040o, o pico [111] do cobalto, sobreposto ao final do pico [200] do cobre. Este valor difere ligeiramente daquele mencionado na ficha JCPDS. Imaginamos inicialmente tratar-se de alguma modificação no parâmetro de rede, devida, por exemplo, a epitaxia com o cobre. Entretanto, fomos posteriormente informados de que o difratômetro estava ligeiramente descalibrado, e assim utilizamos este resultado apenas como confirmação da formação de cobalto cfc. O pico [200] do cobalto não foi observado. Como sua intensidade, em amostra sem orientação preferencial, seria de 40% em relação à do pico [111], e como o ruído não foi muito elevado, esperávamos observá-lo. Sua ausência pode indicar, portanto, a existência de orientação preferencial.
Figura 12 – Difratograma de filme com camadas de cobalto e de cobre sobre substrato de cobre
Microscopia eletrônica de varredura (MEV) e EDXA
As amostras foram examinadas em dois microscópios eletrônicos de varredura do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP (marcas Cambridge e Philips). As imagens foram feitas com elétrons retroespalhados, cujo contraste é pouco sensível a irregularidades da superfície, e muito sensível a diferenças de massa atômica dos elementos da amostra. Assim, as regiões mais claras correspondem a predominância de cobre (massa atômica de 63,546) e as regiões mais escuras correspondem a predominância de cobalto (massa atômica de 58,933).
As Figuras 14 e 15 mostram micrografias dos filmes com deposições longas (8000s) de cobre. As camadas de cobre e cobalto são contínuas, embora não totalmente planas. A espessura de cada camada de cobalto é da ordem de 2,5mm, e das de cobre é de aproximadamente 0,5mm. A diferença de espessuras já era esperada, com base nas correntes médias observadas. Entretanto, ambas as espessuras são menores que as esperadas com base nas massas específicas teóricas de cobre e de cobalto (8,92g/cm3 e 8,90g/cm3, respectivamente), supondo-se uma distribuição uniforme do depósito sobre a área exposta de 1cm2.
Figura 14 - MEV (imagem de elétrons retroespalhados). A fase mais branca é cobre (substrato em baixo) e a mais escura é cobalto.
Figura 15 - MEV (imagem de elétrons retroespalhados). A fase mais branca é cobre (substrato em baixo) e a mais escura é cobalto.
As medidas de EDXA foram feitas nas amostras perpendiculares, para diminuir o risco de se sobreporem dados de diferentes camadas, uma vez que o volume de origem dos raios X atinge profundidades maiores que o volume de origem dos elétrons retroespalhados que formam a imagem. As Figuras 16 e 17 mostram espectros de raios X obtidos nas camadas de cobalto e de cobre, respectivamente.
Figura 16 – Espectro de raio X obtido sobre a camada de cobalto
Figura 17 – Espectro de raio X obtido sobre a camada de cobre
As composições obtidas são apresentadas na Tabela III. Como esperado, observamos que na camada de cobalto há uma pequena porcentagem de cobre, devido à codeposição. Na camada de cobre, obteve-se também uma porcentagem de cobalto, que pode não corresponder à realidade, mas sim ao fato de a camada de cobre ser muito fina e portanto, ocorrer emissão de raios X da camada de cobalto vizinha.
Tabela III – Composição química das camadas por EDXA
camada |
cobre (% atômica) |
cobalto (% atômica) |
camada de cobre |
98,7 |
1,3 |
camada de cobalto |
5,03 |
94,97 |
A Figura 18 apresenta um gráfico com as contagens de raios X característicos de cobalto e de cobre (para ambos, utilizaram-se as linhas K) ao longo de uma linha sobre a amostra. A linha é mostrada na micrografia da Figura 19. Observam-se claramente as regiões ricas em cobre e ricas em cobalto. Nas regiões ricas em cobre, as contagens de cobalto não se tornam nulas, pelos motivos já expostos.
As Figuras 20 e 21 mostram mapas de distribuição de cobre sobre uma região da amostra. Este mapa é obtido de modo semelhante ao do perfil, acumulando-se contagens de raios X característicos de cobre emitidos a partir de cada ponto da amostra. Os pontos mais claros correspondem ao cobre. Na Figura 20, obtida com maior tempo de aquisição, observa-se claramente o substrato de cobre. Na Figura 21, observam-se claramente as camadas alternadas de cobre e de cobalto. Na região das camadas de cobalto, observam-se alguns pontos gerados por cobre, o que se explica pela codeposição do mesmo nestas camadas.
A Figura 22 mostra um mapa de distribuição de cobalto, mostrando claramente a região do substrato. As camadas de cobre, contudo, estão pouco diferenciadas, pelo mesmo motivo já discutido ao descrevermos o perfil de cobalto na Figura 18.
Figura 18 – Perfil de cobalto e de cobre ao longo de uma linha sobre a amostra.
RBS – Rutherford Backscattering Spectroscopy
Para a caracterização por RBS (feita no LAMFI - Laboratório de Análise de Materiais por Feixes Iônicos, do IFUSP), a distinção entre cobalto e cobre pode ser difícil, pois a energia do feixe retroespalhado é função da massa atômica (e da espessura atravessada), e as massas atômicas de cobalto e cobre diferem de apenas 8%. Para verificar se, nessas condições, a espessura de 100nm permitiria uma adequada distinção dascamadas, fizemos, através do programa RUMP, um espectro simulado com 5 camadas de cobalto alternando-se com 5 camadas de cobre, sobre substrato de cobre. Este espectro é apresentado na Figura 23.
Por sugestão do Prof. Dr. Manfredo Tabacniks (responsável pelo LAMFI), depositamos apenas um par de camadas cobalto/cobre, de modo a simplificar a caracterização por RBS. O espectro de RBS deste depósito, mostrado na Figura 24, indica claramente a presença de uma camada de cobalto. Entretanto, é difícil fazer uma simulação confiável da estrutura das camadas, em vista da sobreposição dos sinais do cobalto com o da camada e do substrato de cobre. Substituiu-se então o cobre pela prata com o intuito de facilitar a distinção das camadas no espectro RBS. A prata apresenta massa atômica muito superior à do cobalto, de modo que, se o depósito tiver a configuração desejada, deve-se esperar uma fácil visualização de dois picos separados em altas energias, referentes às duas camadas de prata, e um pico em menor energia, referente à camada de cobalto.
Figura 23 – Simulação de espectro RBS
Figura 24 – Espectro RBS
Foram utilizadas condições semelhantes às da deposições anteriores. O eletrólito continha 1mol/l de sulfato de cobalto e 0,01mol/l de sulfato de prata. A deposição da prata sobre o carbono aparentemente correu normalmente, com uma corrente da ordem de 1mA/cm2. A deposição seguinte, a –1,1V, contudo, apresentou uma densidade de corrente exageradamente elevada, da ordem de 250mA/cm2. Ou seja, cerca de dez vezes superior à do cobalto sobre cobre. Pode-se supor que a presença dos íons de prata na solução, embora em grande diluição, tenha afetado o processo. Finalmente, a deposição da terceira camada foi interrompida no início, devido à presença de um precipitado na solução. Retirando-se o substrato, verificou-se então que praticamente não se havia formado qualquer depósito. Fez-se a hipótese de que o problema estaria associado em parte à elevada nobreza da prata e em parte a uma possível dificuldade de aderência da prata ao substrato de carbono.
Para se tentar resolver a questão da aderência sem perder a vantagem de um substrato de baixa massa atômica, decidiu-se revestir o substrato de carbono com cobre, através de uma deposição prévia, com eletrólito separado. Para assegurar uma melhor aderência deste depósito de cobre, lixou-se previamente o substrato de carbono com lixa 600. Após a deposição do cobre, utilizou-se procedimento semelhante ao da deposição anterior. Verificou-se novamente a formação de um precipitado na solução, mas em menor quantidade que no caso anterior. Além disso, desta vez obteve-se realmente um depósito.
As curvas Q x t são semelhantes às anteriores, apresentando elevados valores de corrente. A –0,4V, tanto sobre cobre como sobre cobalto, observaram-se correntes médias em torno de 3mA/cm2 (existe certa imprecisão nestes valores devido à dificuldade de uma medida precisa da área exposta). A –1,1V, sobre prata, observou-se uma corrente média da ordem de 100mA/cm2.
O espectro de RBS, apresentado na Figura 25, finalmente apresentou picos claramente separados. Além do espectro experimental, a Figura 25 traz o espectro resultante de uma simulação, efetuada através do programa RUMP. A Figura 26 traz separadamente os espectros de carbono, cobre, cobalto e prata referentes à simulação apresentada na Figura 25.
Pelo espectro obtido, verifica-se que realmente se obteve uma camada externa de prata, uma vez que a energia do ponto a, na Figura 25, corresponde a prata na superfície. Verifica-se também que, como desejado, existe uma camada interna de prata, uma vez que a energia do ponto b é muito elevada para cobalto, mesmo se este estivesse na superfície. Os máximos d e e da Figura 26 correspondem, respectivamente, às regiões centrais destas duas camadas.
Para energias um pouco inferiores a b, na Figura 25, observa-se o início de mais um pico, superpondo-se ao da camada interna de prata. Trata-se da camada de cobalto, intermediária entre as duas de prata. Para energias menores, surgem os picos da camada de cobre e finalmente, abaixo de 650MeV, do substrato de carbono. Embora o espectro indique esta seqüência de camadas, ele também indica que suas espessuras não eram uniformes e/ou que houve interpenetração dos elementos depositados nas diversas camadas. A presença de prata na camada de cobalto (ou a correspondente variação de espessura) fica bem clara na região c do espectro. Se a camada de prata fosse claramente delimitada, a queda das contagens seria abrupta. Entretanto, o que se observa é uma queda suave do teor de prata até o início da camada interna de prata. Assim, para o ajuste da curva experimental, foi necessário supor, na simulação, a presença de cobalto nas camadas de prata, e de prata na de cobalto. Do mesmo modo, supôs-se a presença de cobre na camada interna de prata, e vice-versa. Para tal, o modelo simulado corresponde na realidade a 18 subcamadas.
Finalmente, uma indicação adicional de que o depósito tenha espessura irregular é dada pelo valor observado da energia máxima do pico de carbono, em torno de 650MeV. Se o carbono estivesse integralmente revestido pelo depósito, seu pico se iniciaria em energias menores. Para simplificar o processo, a simulação do substrato de carbono foi feita em separado.
De acordo com a simulação, a distância entre os dois picos de prata corresponde a uma camada de 150 nm. Este valor é cerca de 30% menor que o valor esperado com base na Lei de Faraday.
Figura 25 – Espectro RBS da amostra 10, e respectiva simulação
Figura 26 – Espectros de carbono, cobre, cobalto e prata na simulação da Figura 25